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A ASCENSÃO DA MÚSICA ARTIFICIAL

O IMPACTO DA IA NAS PLATAFORMAS DE STREAMING E O DEBATE SOBRE DIREITOS AUTORAIS, QUALIDADE ARTÍSTICA E TRANSPARÊNCIA

João Carlos

14/07/2025

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Crédito da imagem: gerada por IA

A paisagem da indústria fonográfica global passa por uma transformação radical: a chegada da música gerada por inteligência artificial (IA). Em meio ao avanço de ferramentas cada vez mais sofisticadas, cresce nas plataformas de streaming o volume de faixas compostas, produzidas e até interpretadas integralmente por sistemas de IA.

Segundo dados recentes da própria Deezer, cerca de 18% das músicas enviadas diariamente ao seu catálogo são criadas por inteligência artificial — o equivalente a aproximadamente 20 mil novas faixas por dia. Embora representem apenas 0,5% do total disponível no acervo, essas obras geram discussões acaloradas sobre originalidade, ética, fraude digital e impactos econômicos.

O que é Música Artificial?

A chamada música artificial refere-se a obras musicais geradas parcial ou totalmente por softwares baseados em machine learning, que processam dados de estilos, estruturas harmônicas e padrões melódicos existentes para criar composições originais. Essas músicas podem ser criadas do zero — incluindo letra, harmonia e voz sintética — sem qualquer participação humana direta.

Ferramentas como Suno, Mubert, Udio e Mureka vêm se destacando nesse segmento, permitindo que qualquer pessoa crie canções com um simples comando de texto, sem precisar tocar um instrumento ou compreender teoria musical.

Origens, expansão e debates

Embora os primeiros experimentos com música gerada por computador remontem aos anos 1950 e 60, o salto tecnológico mais expressivo veio na última década, com os modelos generativos de IA capazes de entender contexto, estilo, emoções e até intenções sonoras.

Em 2023, faixas como “Heart on My Sleeve”, que imitava os estilos vocais de Drake e The Weeknd, viralizaram antes de serem retiradas do ar, acendendo um alerta global sobre os limites éticos da tecnologia. O episódio expôs o risco da clonagem musical — onde vozes, composições e estilos são replicados sem autorização.

Impactos reais sobre artistas de verdade

Um estudo divulgado pelo The Guardian estima que profissionais do setor musical podem perder até 25% da renda global até 2028 em função do crescimento da IA, seja por substituição direta de compositores, instrumentistas e produtores, seja pela erosão dos direitos autorais com o uso não licenciado de acervos musicais em algoritmos.

Além disso, investigações internas apontam que até 70% das execuções de músicas IA em plataformas como o Deezer são artificiais, impulsionadas por bots de streaming — o que distorce o ecossistema de remuneração e prejudica criadores legítimos.

Mobilização internacional por regulação

Diante dessa nova realidade, artistas e compositores renomados ao redor do mundo iniciaram um movimento público por regulamentação urgente da música gerada por IA. Nomes como Nick Cave, Billie Eilish, Stevie Wonder, Jon Bon Jovi, Norah Jones e Robert Smith (The Cure), entre outros, assinaram cartas abertas e manifestos endereçados a governos, plataformas e entidades reguladoras, exigindo:

  • Transparência total sobre conteúdo criado por IA;
  • Rotulagem obrigatória de faixas geradas ou manipuladas por máquinas;
  • Respeito aos direitos de voz, estilo e imagem de artistas reais;
  • Proibição do uso de obras protegidas por direitos autorais em datasets de treinamento.

Esses apelos têm ganhado força também em instituições jurídicas e legislativas, sobretudo nos EUA e na União Europeia, onde se discutem medidas para garantir que a tecnologia sirva à criação e não à exploração indevida.

Como as plataformas reagem

O Deezer, um dos primeiros a se posicionar publicamente, anunciou a implementação de um sistema de detecção automática de músicas geradas por IA, bem como a remoção de execuções fraudulentas do cálculo de royalties. A empresa também começou a rotular oficialmente conteúdos criados exclusivamente por inteligência artificial, promovendo mais clareza ao usuário.

Grandes gravadoras como a Universal Music Group já iniciaram ações judiciais contra plataformas como a Suno e a Udio, acusando-as de utilizar indevidamente músicas protegidas para treinar suas inteligências. No Congresso dos EUA, já tramitam propostas que tratam da autenticidade digital e do direito à própria voz, consideradas prioritárias por associações de autores.

O futuro da criação musical está em disputa

O que está em jogo vai além do avanço tecnológico: trata-se de uma disputa por identidade, autoria e sustentabilidade artística. A IA na música pode ser, sim, uma ferramenta criativa revolucionária — desde que usada com responsabilidade, ética e com respeito aos profissionais da música.

Na era dos algoritmos, torna-se essencial preservar a alma humana da arte, com garantias legais e políticas claras para coibir abusos e proteger os pilares da criação cultural. O desafio não é conter a inovação, mas garantir que ela não apague as vozes que tornaram a música aquilo que ela é: um reflexo vivo da condição humana.

A Música sem alma

Em um momento em que algoritmos compõem melodias, vozes são sintetizadas e faixas nascem sem a presença de um único instrumento real — ou de qualquer emoção vivida —, é legítimo questionar: para onde estamos indo? A ascensão da música gerada por inteligência artificial representa, sem dúvida, um feito tecnológico. Mas, ao mesmo tempo, lança sobre a cultura uma sombra incômoda: a de uma música sem alma.

As canções que marcaram gerações foram feitas de carne e osso, de erros e improvisos, de angústia, celebração e sentimentos reais. Elas carregam a imperfeição da vida, e é justamente isso que as torna inesquecíveis — porque emocionaram e continuam emocionando novas audiências. Ao substituir esse componente humano por uma linha de código, corremos o risco de nos afastar daquilo que há de mais autêntico na arte: a experiência emocional compartilhada.

O perigo não está na ferramenta em si, mas na forma como a sociedade escolhe usá-la. Ao consumir músicas geradas por IA como se fossem apenas mais um item descartável em uma playlist infinita, abrimos espaço para um cenário de esvaziamento sentimental e cultural, em que a emoção dá lugar à eficiência e o sentimento é diluído em fórmulas estatísticas.

A pergunta que fica não é apenas “quem fez essa música?”, mas sim “quais sentimentos essa música realmente transmite?”. E quando a resposta for “nenhum” ou algo próximo de um vazio existencial, talvez seja hora de recuar, repensar — e não apenas ouvir com mais atenção, mas refletir profundamente. Que tipo de geração estamos formando, ao normalizar que máquinas e algoritmos reproduzam, em série, aquilo que não sentem?

Mais do que uma questão filosófica — que, ironicamente, sempre foi o combustível da arte feita por seres humanos —, estamos diante de consequências tangíveis e uma crescente desconexão com artistas de verdade.

A música artificial pode ser funcional, até eficiente. Mas sem alma, deixa de ser arte — e passa a ser apenas uma forma de poluição sonora digital em um mundo que ainda luta para permanecer humanizado.

Como dizia a lendária Kraftwerk, banda pioneira da música eletrônica, na faixa “Home Computer”:

It's more fun to compute
It's more fun to compute

É mais divertido calcular
É mais divertido calcular

Am Heimcomputer sitz ich hier
Und programmier die Zukunft mir

Estou sentado aqui no meu computador de casa
E programando meu futuro


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