ANÁLISE-Tarifas de Trump aumentam pressão sobre a economia mundial
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Por Mark John e Francesco Canepa e Leika Kihara
LONDRES/TÓQUIO (Reuters) - A última rodada de tarifas comerciais dos Estados Unidos, divulgada na quarta-feira, vai minar ainda mais o vigor de uma economia mundial que mal se recuperou do aumento da inflação pós-pandemia, sobrecarregada por uma dívida recorde e desconcertada por conflitos geopolíticos.
Dependendo de como o presidente Donald Trump e os líderes de outros países procederem agora, isso também pode ser considerado um ponto de inflexão para um sistema globalizado que até agora tinha como certo a força e a confiabilidade dos Estados Unidos, seu maior componente.
'As tarifas de Trump trazem o risco de destruir a ordem global de livre comércio que os próprios Estados Unidos lideraram desde a Segunda Guerra Mundial', disse Takahide Kiuchi, economista executivo do Nomura Research Institute.
Porém, nos próximos meses, o que prevalecerá serão os efeitos simples e claros de aumento de preços - e, portanto, de redução da demanda - devido ais novos impostos aplicados a milhares de produtos comprados e vendidos por consumidores e empresas em todo o planeta.
'Vejo isso como um desvio da economia norte-americana e global em direção a um desempenho pior, mais incerteza e possivelmente rumo a algo que poderíamos chamar de recessão global', disse Antonio Fatas, macroeconomista da escola de negócios INSEAD, na França.
Falando no Rose Garden da Casa Branca, Trump disse que adotará uma tarifa básica de 10% sobre todas as importações e exibiu um gráfico mostrando tarifas mais altas sobre alguns dos maiores parceiros comerciais do país, incluindo 34% sobre a China e 20% sobre a União Europeia.
Uma tarifa de 25% sobre automóveis e autopeças foi confirmada anteriormente. Trump disse que as tarifas devolveriam aos Estados Unidos capacidades de fabricação estrategicamente vitais.
De acordo com as novas taxas globais impostas por Trump, a taxa tarifária dos EUA sobre todas as importações saltou para 22% - uma taxa vista pela última vez por volta de 1910 - de apenas 2,5% em 2024, disse Olu Sonola, chefe de pesquisa econômica dos EUA na Fitch Ratings.
'Isso é um divisor de águas, não apenas para a economia dos EUA, mas para a economia global', disse Sonola. 'Muitos países provavelmente acabarão entrando em recessão.'
A diretora-gerente do FMI, Kristalina Georgieva, disse em um evento da Reuters esta semana que não via uma recessão global por enquanto. Ela acrescentou que o Fundo espera fazer em breve uma pequena 'correção' para baixo em sua previsão de crescimento global de 3,3% para 2025.
No entanto, o impacto sobre as economias nacionais deverá divergir amplamente, dado o espectro de tarifas que variam de 10% para a Reino Unido a 49% para o Camboja.
Se o resultado for uma guerra comercial mais ampla, isso terá repercussões ainda maiores para produtores como a China, que ficaria à procura de novos mercados em face do fraco consumo interno.
'As economias asiáticas serão atingidas com mais força do que a maioria pelas tarifas recíprocas dos EUA', disse Marcel Thieliant, chefe da área Ásia-Pacífico da Capital Economics. 'As economias asiáticas não apenas enfrentam tarifas mais altas do que muitas outras, como também são mais dependentes da demanda de produtos dos EUA do que a maioria.'
Se as tarifas empurrarem os próprios EUA para a recessão, isso pesará muito sobre os países em desenvolvimento, cuja economia está intimamente ligada à da maior economia do mundo.
UM 'MUNDO INVERTIDO'
Os efeitos indiretos para os bancos centrais e governos também são potencialmente grandes.
O desdobramento das cadeias de suprimentos, que durante anos mantiveram os preços para os consumidores sob controle, pode levar a um mundo em que a inflação tende a ser mais 'forte' do que os 2% que os bancos centrais atualmente concordam ser uma meta administrável.
Isso complicaria as decisões do Banco do Japão, que poderá enfrentar pressões para combater a inflação com mais aumentos de juros no momento em que os principais bancos centrais estão de olho em cortes e que seu setor de exportação é afetado pelas tarifas dos EUA.
Mas há pouco que os países podem fazer além de atenuar o impacto econômico e pedir isenções a Washington. O Japão, exportador de automóveis, com uma tarifa recíproca de 24%, e a Coreia do Sul, à qual foi imposta uma tarifa de 25%, sinalizaram planos de tomar medidas emergenciais para apoiar as empresas afetadas.
Apesar de serem aliados dos EUA, ambos os países foram apontados por Trump como os piores infratores de práticas comerciais injustas.
A fraqueza da produção econômica deixará alguns governos com mais dificuldade para pagar a dívida mundial recorde de US$318 trilhões e encontrar dinheiro para as prioridades orçamentárias, como defesa, ação climática e bem-estar.
E se as tarifas não realizarem o objetivo de Trump de investimento do setor privado na manufatura doméstica dos EUA, dada a escassez de mão de obra doméstica que um país com quase pleno emprego já enfrenta?
Alguns veem Trump buscando outras maneiras de eliminar o déficit comercial global dos EUA que tanto o irrita - por exemplo, exigindo que outros participem de um reequilíbrio das taxas de câmbio para beneficiar os exportadores dos EUA.
'Continuaremos a vê-lo apresentando formas potencialmente mais arriscadas de lidar com a força contínua do dólar', disse Freya Beamish, economista-chefe da empresa de estratégia de investimentos TS Lombard.
Tais medidas poderiam colocar em risco a posição privilegiada do dólar como a moeda de reserva mundial preferida - um resultado que poucos preveem, pelo simples fato de não haver alternativas reais ao dólar.
No entanto, a presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, disse na quarta-feira em um evento na Irlanda que a Europa precisa agir agora e acelerar as reformas econômicas para competir no que ela chamou de 'mundo invertido'.
'Todos se beneficiaram de uma hegemonia, dos Estados Unidos, que estava comprometido com uma ordem multilateral e baseada em regras', disse ela sobre a era pós-Guerra Fria de inflação baixa e comércio crescente em uma economia global aberta.
'Hoje, temos que lidar com o fechamento, a fragmentação e a incerteza.'
(Reportagem adicional de Balazs Koranyi in Frankfurt; Karin Strohecker em Londres; Marius Zaharia em Pequim; Leika Kihara em Tóquio; gráfico de Marc Jones em Londres)
Escrito por Reuters
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