CABOS SUBTERRÂNEOS: A SOLUÇÃO QUE NÃO AVANÇA EM SÃO PAULO HÁ 20 ANOS
LEI EXISTE DESDE 2005, MAS PROMESSAS SE ARRASTAM ENTRE LITÍGIOS E METAS DESCUMPRIDAS
João Carlos
23/09/2025
Diante de tantos transtornos e dos prejuízos financeiros e sociais provocados pelos apagões das últimas horas, é impossível não notar que o enredo se repete a cada mudança de estação. A realidade é dura: a rede aérea de fios em São Paulo continua sendo o ponto vulnerável. Basta a queda de um galho ou até mesmo o simples balanço das árvores para derrubar fios, postes e cruzetas, dando início ao ciclo que os paulistanos conhecem bem — escuridão, insegurança, prejuízos e um looping interminável de transtornos.
A cada vendaval, o comércio e os serviços perdem horas de funcionamento e as indústrias acumulam prejuízos invisíveis, que hoje não são compensados por ninguém.
A pergunta é inevitável: a solução não estaria em enterrar os cabos? Experiências internacionais e especialistas são categóricos ao afirmar que sim. A rede subterrânea reduz drasticamente o risco de colapso durante temporais e ainda traz ganhos ambientais, estéticos e econômicos.
As redes subterrâneas em malha são mais resilientes: quando ocorre uma falha, o bairro não fica às escuras, pois o sistema redireciona a carga automaticamente. Além disso, desaparece o risco de fios caídos em dias de chuva e as podas mutilantes deixam de ser necessárias, permitindo que as árvores passem a ser aliadas da cidade, e não inimigas.
E o mais surpreendente é que São Paulo já sabe disso há quase duas décadas. Em 2005, foi sancionada a Lei Municipal 14.023, que obriga a conversão da fiação aérea em subterrânea. No ano seguinte, o Decreto 47.817 regulamentou a norma e programas complementares foram criados para organizar o processo. Na prática, porém, os prazos foram sendo diluídos, as metas judicializadas e as promessas não cumpridas. Em 2017, chegou-se a anunciar o soterramento de 52 quilômetros de rede até 2018 — meta que depois foi reembalada para 65 quilômetros —, mas a execução acabou anos atrasada.
As estimativas públicas variam, mas o consenso é que o avanço foi irrisório: menos de 1% da rede total da capital, que soma cerca de 20 mil quilômetros, foi efetivamente enterrada. Houve obras pontuais em eixos icônicos, como a Faria Lima, a Nove de Julho, a Paulista, a Rebouças, a Oscar Freire e, mais recentemente, no entorno do Museu do Ipiranga. São conquistas visuais e localizadas, mas incapazes de mudar a estrutura que sustenta bairros inteiros. O resumo é simples e incômodo: o que se enterrou até aqui corresponde sobretudo à rede de iluminação pública e telecomunicações em vias de prestígio, e não aos alimentadores de energia que mantêm a cidade acesa.
O custo do enterramento e o debate que não leva em conta o outro lado da balança: os prejuízos acumulados
Quando se fala em enterrar cabos, a primeira justificativa que surge é o custo. A própria Prefeitura estimou que seriam necessários R$ 20 bilhões apenas para a região central. Já estudos da USP apontam uma ordem de grandeza de R$ 10 milhões por quilômetro em áreas urbanas densas. Do ponto de vista regulatório, tanto a Enel quanto a Aneel lembram que qualquer investimento desse porte impactaria diretamente a tarifa paga pelo consumidor. Sem uma solução clara de divisão dos custos, as distribuidoras evitam o subterrâneo em larga escala. Um promotor público resumiu em frase direta: “falta vontade política”.
Para agravar, as diretrizes federais para as renovações de concessão de energia, que vão de 2025 a 2031, não exigem metas de enterramento. Ou seja, perdeu-se mais uma janela de oportunidade para atrelar prazos e obrigações a contratos que definem o futuro do sistema.
E o outro lado da balança “custos x prejuízos acumulados”
Se o enterramento é caro e depende de um modelo tarifário aprovado pela Aneel — como argumenta a Enel, que reforça a necessidade de uma “alocação correta dos custos” —, o impasse segue em discussões intermináveis, marcado pelo velho jogo de empurra e pela falta de vontade política. Enquanto isso, o outro lado da balança continua pagando a conta: os paulistanos arcam com o chamado “imposto do apagão”, traduzido em prejuízos difusos que vão da comida estragada na geladeira ao colapso de polos industriais, sem esquecer o impacto diário sobre comércio, bares, restaurantes e escritórios.
Será que a capital econômica do país não consegue olhar racionalmente para o problema e reconhecer que para pararmos de pagar pelos constantes prejuízos que possivelmente já ultrapassam todas as previsões dos custos reais para o enterramento da fiação elétrica aérea da cidade é preciso de uma ação conjunta e definitiva para todos reverterem juntos esse quadro?
Uma coisa é certa: a solução só avança se a pressão de quem paga a conta não cessar.
Possíveis soluções se a discussão avançar
A lista de medidas passa por ações práticas e urgentes: mapear e priorizar corredores estratégicos que atendam hospitais, telecomunicações e polos comerciais; enterrar alimentadores de média tensão antes de investir em “postes cênicos”; criar dutos compartilhados de energia e telecom para reduzir custos; atrelar metas de soterramento à renovação do contrato da Enel, com multas e bônus regulatórios; e sincronizar obras de asfalto, drenagem e mobilidade para que só sejam concluídas após a instalação das galerias.
Há ainda soluções emergenciais, como reforçar o plano de poda inteligente e substituir estruturas frágeis até a conversão definitiva.
O problema é que, na prática, o ritmo segue lento. O programa “São Paulo Sem Fios”, da Prefeitura, que prevê o enterramento de 81 quilômetros de cabos, cumpriu até agora menos da metade dessa meta — um avanço tímido diante da dimensão do desafio.


