COMO AS INDÚSTRIAS ESTÃO AGINDO PARA SOBREVIVER AOS DESAFIOS DO SÉCULO XXI
ENTRE AVANÇOS CONCRETOS E GARGALOS ESTRATÉGICOS
João Carlos
15/09/2025
Neste 4º capítulo da série especial “O debate mais estratégico da indústria no século XXI”, apresentamos um panorama de como as grandes empresas buscam conciliar crescimento econômico com sustentabilidade em um mundo cada vez mais tecnológico, globalizado e em transição energética.
Depois de entendermos, nos capítulos anteriores, quando as discussões começaram a se desenhar e em que momento as companhias perceberam a interdependência entre energia, tecnologia, recursos naturais e ESG, chega a hora de avaliar em que nível essa discussão se encontra em 2025.
O cenário atual revela um quadro desigual: enquanto alguns setores avançam de forma acelerada na execução de soluções, outros ainda esbarram em entraves regulatórios, falta de padronização ou barreiras de financiamento.
Energia e redes elétricas
O debate deixou de ser “por que” migrar para fontes renováveis e passou a ser “como” escalar a transição energética com flexibilidade e segurança. Hoje, a questão central não é apenas instalar mais parques solares ou eólicos, mas garantir que a eletricidade gerada possa ser armazenada, distribuída e utilizada de forma estável em sistemas cada vez mais exigentes.
Projetos de armazenamento em baterias de grande porte (BESS) começam a se consolidar em mercados como EUA, China e Europa, oferecendo a possibilidade de absorver a intermitência das renováveis. Ao mesmo tempo, pilotos de hidrogênio verde despontam em siderúrgicas e portos, apontando para soluções em setores de difícil descarbonização, como a indústria pesada e o transporte marítimo. Além disso, mercados de capacidade e flexibilidade estão em fase de implementação, permitindo remunerar consumidores e empresas que ajustam sua demanda em tempo real.
Apesar dos avanços, gargalos importantes permanecem. O licenciamento ambiental de novas linhas de transmissão ainda leva anos em muitos países, atrasando a conexão de projetos já prontos. O custo de capital elevado pressiona investidores, especialmente em um cenário de juros altos, e pode comprometer o ritmo da expansão. Há ainda a necessidade de modernizar as redes elétricas, integrando sistemas digitais de controle e ampliando a resiliência contra falhas.
Como resumiu recentemente Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia:
“Sem energia limpa e barata, a competitividade não será possível. A Europa quer ser líder em indústrias limpas, mas precisa reduzir prazos e burocracias para que essa liderança se torne realidade.”
Mobilidade elétrica
O setor automotivo vive hoje a fase da escala industrial dos veículos elétricos (EVs). Depois de provar a viabilidade tecnológica e conquistar consumidores em nichos premium, as montadoras entraram em uma corrida global para reduzir custos, ampliar a produção e popularizar modelos de entrada. Essa nova etapa desencadeou uma guerra de preços, em especial na China, que rapidamente se tornou o maior mercado e centro de inovação em baterias.
A disputa por margens expõe desafios que vão além da simples fabricação de carros. A padronização de carregadores é um deles: diferentes modelos e conectores criam barreiras ao consumidor e atrasam a adoção em massa. Países como a União Europeia já legislaram para unificar padrões, mas em mercados fragmentados, como a América Latina, ainda há grandes lacunas.
Outro gargalo é a expansão da infraestrutura de recarga, que exige coordenação entre governos, empresas de energia e redes de varejo. Sem carregadores confiáveis e distribuídos, a transição corre o risco de se tornar desigual, limitada a grandes centros urbanos.
Por fim, a reciclagem em escala das baterias de íons de lítio é um ponto crítico. A primeira geração de EVs já começa a chegar ao fim de vida útil, e a ausência de sistemas eficientes de coleta e reaproveitamento ameaça transformar uma solução climática em um problema ambiental. Empresas como a CATL e a Tesla iniciaram programas de circularidade, mas os volumes ainda são insuficientes frente ao crescimento projetado da frota elétrica.
Como afirmou Wang Chuanfu, CEO da BYD, no Salão de Xangai de 2024:
“Não é mais uma questão de viabilidade técnica, mas de infraestrutura. O futuro é elétrico, e a velocidade da transição depende da rede de carregamento e da reciclagem de baterias.”
Semicondutores e inteligência artificial
Aqui, o nível é abertamente estratégico e geopolítico. As restrições de exportação, investimentos bilionários em fábricas soberanas e a concentração da produção em poucos países tornaram esse tema central para a segurança nacional de potências como EUA, China e União Europeia.
Durante a crise de semicondutores de 2021, o presidente Joe Biden resumiu:
“Não se trata apenas de chips em carros. É sobre nossa segurança nacional.”
Hoje, o presidente Donald Trump também reforça esse tom de urgência. Em 2025, ele lançou o America’s AI Action Plan, com dezenas de políticas para acelerar inovação, construir infraestrutura de IA e afirmar liderança global. Ele falou ainda, ao anunciar investimentos da TSMC de US$ 100 bilhões em fábricas de chips nos EUA:
“Os semicondutores são a espinha dorsal da economia do século XXI. E, na verdade, sem os semicondutores, não há economia.”
Essas declarações evidenciam que, para os EUA, semicondutores e IA não são apenas setores de tecnologia: tornaram-se pilares estratégicos da sua política industrial e de segurança.
Recursos críticos
A corrida por lítio, cobalto, níquel e terras raras trouxe um novo patamar de securitização industrial. Se antes eram tratados como insumos técnicos, hoje esses materiais passaram a ser considerados ativos estratégicos de soberania nacional. O debate está mais avançado no campo da mineração e do refino, mas ainda patina em licenciamento ambiental e na aceitação social de grandes projetos extrativos.
Reportagem do Financial Times destacou recentemente que “o mercado global de lítio dobrou de tamanho em menos de cinco anos, mas a oferta segue vulnerável à concentração geográfica em poucos países e à demora em aprovar novas minas, que muitas vezes enfrentam forte resistência de comunidades locais”. Esse quadro cria um dilema: sem acelerar a exploração, a transição energética pode perder ritmo; mas sem mecanismos claros de sustentabilidade, o setor corre o risco de ampliar conflitos sociais e ambientais.
ESG e regulação
O que antes era apenas relato voluntário virou obrigação regulatória. Regras como o Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM) na Europa e a exigência de relatórios de escopo 3 colocam pressão inédita sobre empresas de todos os setores, especialmente as que atuam em cadeias globais de fornecimento.
Segundo reportagem da Bloomberg, “as novas normas da União Europeia criam um mercado de carbono global de fato, ao exigir que qualquer empresa que exporte para o bloco comprove emissões em toda a sua cadeia produtiva”. Já o Wall Street Journal apontou que “investidores passaram a penalizar companhias que não apresentam dados consistentes de governança e rastreabilidade, elevando o custo de capital para aquelas que atrasam na adaptação”.
Esse movimento mostra que o ESG deixou de ser uma opção reputacional para se tornar uma condição de sobrevivência empresarial. Empresas incapazes de comprovar sustentabilidade e responsabilidade social não apenas enfrentam multas, mas também perdem competitividade frente a concorrentes mais ágeis na transição.
O fio condutor do presente
O nível atual do debate pode ser definido como uma fase de execução tensionada: as soluções já estão mapeadas e, em alguns casos, parcialmente implementadas. No entanto, permanecem travadas por fatores que vão da burocracia e do custo de capital elevado à ausência de padronização tecnológica e à pressão por aceitação social.
Essa realidade mostra que a indústria entrou na década de 2020 com a responsabilidade de provar que consegue alinhar crescimento, inovação e sustentabilidade sem comprometer competitividade. Mais do que um desafio técnico, trata-se de um teste de sobrevivência para empresas e países.
No próximo capítulo, vamos examinar em detalhe quais são os principais elementos que travam a evolução dessas soluções — do financiamento à falta de padronização — e por que superar essas barreiras definirá os vencedores e perdedores da indústria global nas próximas décadas.