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JOCKEY SP: RECUPERAÇÃO JUDICIAL E DISPUTA COM A PREFEITURA

ENTENDA O QUE MUDA NA DÍVIDA, NA DESAPROPRIAÇÃO E NAS INVESTIGAÇÕES

João Carlos

30/09/2025

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Crédito da imagem: gerada por IA

A recente decisão da justiça de São Paulo que aceitou o pedido de recuperação judicial do Jockey, assinada pelo juiz Jomar Juarez Amorim (1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais), e que reconhece um passivo em torno de R$ 19 milhões, trouxe questionamentos de ouvintes se a dívida com a prefeitura não foi incluída na decisão. Para esclarecer as questões financeiras envolvendo o Jockey, o portal levantou todas as informações disponíveis e os caminhos ou complexas estratégias jurídicas que podem ser acionadas para a resolução das questões envolvidas. Acompanhe a seguir.

A resposta objetiva é: não. Na recuperação judicial, os tributos municipais como IPTU e ISS não ficam automaticamente protegidos pelo “congelamento” do processo. A própria Lei 11.101/2005 (art. 6º, § 7º) e a jurisprudência do STJ deixam claro que execuções fiscais não se suspendem pelo simples deferimento da recuperação; o que se exige é coordenação entre o juízo da execução fiscal e o da recuperação quando houver atos de constrição que ameacem a continuidade da atividade, preservando-se a empresa. Em termos práticos, portanto, a Prefeitura pode prosseguir cobrando os tributos enquanto o Jockey negocia com os demais credores sujeitos à RJ.

No caso específico do Jockey Club de São Paulo, a decisão que deferiu o processamento da recuperação é recente e confirma o passivo concursal de cerca de R$ 19 milhões, nomeando a AJ Ruiz como administradora judicial e fixando o prazo legal de 60 dias para apresentação do plano. São informações públicas disponíveis no site da administradora, com indicação do processo e data de deferimento em 22/09/2025, além de terem sido reiteradas pela imprensa nacional. Esse passivo, vale frisar, não inclui a cobrança tributária municipal.

E quanto de tributos o Município cobra? Nas contas da Prefeitura, o montante passa de R$ 800 milhões — reportagens de maio citaram R$ 829 milhões — com destaque para IPTU e ISS; o clube, por sua vez, contesta lançamentos e critérios de atualização, apontando “erros crassos” (base de cálculo, área efetivamente tributada e forma de correção). No mesmo debate público, surgiu a comparação que ajuda a entender a disputa: para fins de desapropriação e criação de parque municipal, o terreno foi avaliado pelo Município em algo entre R$ 93 e R$ 95 milhões, enquanto, para cálculo de IPTU, a base venal seria superior a R$ 1,1 bilhão. A diferença decorre, em grande parte, de restrições urbanísticas e de tombamento que reduzem o potencial de uso do imóvel quando se avalia uma indemnização por desapropriação.

Daí vem a proposta de uma dação em pagamento: a Prefeitura estuda desapropriar a área e usar o valor do terreno para abater parte da dívida tributária. A ideia é juridicamente possível, porque o CTN (art. 156, XI) prevê a dação de imóveis como forma de extinção do crédito tributário, e o Município de São Paulo tem lei própria que disciplina o procedimento. Importa lembrar, contudo, que não é automático: depende de avaliação, conveniência administrativa e aceitação do poder público. Mesmo que a desapropriação se concretize por R$ 93–95 milhões, o saldo da dívida seguiria acima de R$ 700 milhões — e continuaria sujeito às disputas e possíveis transações/parcelamentos próprios do contencioso fiscal.

O Jockey tenta diminuir essa conta com duas frentes principais. A primeira é técnico‑tributária, ao impugnar a base de cálculo e os lançamentos de IPTU/ISS e questionar a forma de atualização de débitos. A segunda é jurídica, ao sustentar que parte de suas atividades teria natureza rural (turfe/equideocultura), hipótese que, se e quando comprovada, pode afastar o IPTU e atrair a incidência do ITR; trata-se de tese excepcional e caso a caso na jurisprudência do STJ, que exige prova robusta de destinação econômica rural de área urbana. Enquanto essas discussões correm, a cobrança fiscal segue seu próprio rito.

Em paralelo, pesa sobre o tabuleiro político‑financeiro a notícia de investigação municipal sobre um eventual desvio de R$ 61 milhões vinculados a recursos captados para restauro de imóveis tombados do complexo. Até aqui, o que há de público são comunicações e notas noticiosas informando a abertura de apuração; não houve divulgação de relatório conclusivo. É um elemento que pressiona a governança e pode trazer reflexos reputacionais e jurídicos, mas não altera, por si, a mecânica da dívida tributária discutida acima. Nesse campo do patrimônio histórico, há registros de captações autorizadas via Lei Rouanet — por exemplo, R$ 48 milhões autorizados em 2024 — o que não significa necessariamente recursos recebidos, mas sim teto para captação junto a patrocinadores.

O que esperar daqui para frente? Do lado da recuperação judicial, o clube precisa entregar o plano dentro do prazo legal, negociar com os credores sujeitos e submeter eventuais medidas à homologação judicial. Do lado tributário, a Prefeitura pode manter as execuções fiscais e, se houver espaço, transacionar (parcelar, conceder descontos em multas/juros, aceitar dação nos termos da lei). Se a desapropriação avançar, haverá atos próprios (declaração de utilidade pública, avaliação definitiva, negociação/indemnização), etapa em que o valor atribuído ao terreno certamente será objeto de contestação técnica pelo clube. Em todas as frentes, a coordenação entre juízos — da recuperação e da execução fiscal — é determinante para que medidas de cobrança não inviabilizem a continuidade das atividades reconhecidas como econômicas e relevantes na própria decisão judicial.

Pelo nível de complexidade do caso — recuperação judicial, dívida tributária bilionária, desapropriação de imóvel com restrições urbanísticas e tombamento, alegações de isenção/ITR e investigação por possível desvio — não é assunto para um único especialista. Casos assim pedem a atuação integrada de um tributarista de contencioso (para enfrentar IPTU/ISS, eventuais imunidades/isenções e revisão de lançamentos), de um advogado de recuperação judicial e falências (para costurar o plano e compatibilizar cobranças com a preservação da atividade), de um especialista em direito administrativo/imobiliário (para a engenharia jurídica da desapropriação e da dação em pagamento), de um perito contábil/financeiro (para auditar cálculos, qualificar o passivo real e apontar distorções) e de um criminalista de direito penal econômico/compliance (para gerir riscos ligados à investigação dos R$ 61 milhões). Na prática, entidades desse porte costumam contratar bancos de advocacia full service com áreas fortes nessas frentes e auditorias independentes para dar lastro técnico às teses e aos números apresentados ao Judiciário e ao Fisco.

Em resumo, a recuperação judicial do Jockey não encerra a disputa com a Prefeitura: abre‑se um duplo trilho em que, de um lado, o clube precisa viabilizar seu plano perante credores privados e, de outro, seguir negociando e litigando o contencioso tributário — com a possível desapropriação/dação reduzindo uma pequena parcela da dívida, mas deixando um saldo elevado a ser necessariamente enfrentado por meio de acordos, perícias e decisões ainda por vir. Dessa forma, a relação financeira entre Jockey e Prefeitura continua ativa, judicializada e em negociação, e os próximos capítulos dependerão do que for apresentado no plano, do avanço (ou não) da desapropriação e dos desfechos parciais no contencioso fiscal e nas investigações.

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