QUANDO AS EMPRESAS CONECTARAM OS PONTOS DAS PRESSÕES DO SÉCULO XXI
O MOMENTO EM QUE CONSELHOS E EXECUTIVOS PERCEBERAM QUE ENERGIA, TECNOLOGIA, ESG E CADEIAS DE SUPRIMENTO ERAM UMA SÓ DISCUSSÃO
João Carlos
11/09/2025
No Capítulo 3 desta série revisitamos os marcos históricos e tecnológicos que moldaram o ponto em que chegamos. Foi ali que vimos como diferentes forças começaram a se sobrepor e a pressionar a indústria de maneira inédita.
De um lado, a transição energética e a busca por neutralidade de carbono. De outro, a digitalização acelerada e a disputa geopolítica em torno de semicondutores e inteligência artificial. Some-se a isso as vulnerabilidades expostas nas cadeias globais de suprimento desde a pandemia e a pressão crescente por práticas sustentáveis que vão muito além do marketing: são hoje condição de sobrevivência empresarial.
Esse é o cenário que sustenta o grande debate industrial do século XXI — um contexto em que fatores antes tratados separadamente se revelaram interdependentes. Energia, tecnologia, logística e ESG passaram a ser peças de um mesmo tabuleiro.
Neste capítulo, damos um passo adiante: vamos mostrar quando as empresas começaram a perceber essa interdependência. Em que momento conselhos de administração, executivos e investidores conectaram os pontos e entenderam que a agenda industrial não poderia mais ser fragmentada, mas integrada.
O despertar dos conselhos
Entre 2017 e 2019, setores eletrointensivos, como o automotivo e o químico, foram os primeiros a notar que energia limpa, baterias, semicondutores e software estavam profundamente interligados. O custo de produção, o risco regulatório e até a atratividade de novos produtos passaram a depender desses fatores combinados.
Foi nesse período que os primeiros conselhos de administração começaram a discutir cenários climáticos, riscos de disrupção tecnológica e a pressão crescente de investidores por práticas ambientais e sociais mais transparentes.
Fatih Birol, diretor-executivo da Agência Internacional de Energia (AIE), afirmou em 2018:

Crédito da imagem: Ola G. Sæther para DNVA.
“A energia limpa e as tecnologias digitais já não são setores à parte. Elas se tornaram a espinha dorsal da competitividade industrial.”
Da percepção à reação
A partir de 2020, com o choque da pandemia, essa consciência deixou de ser estratégica e se tornou operacional. Diretores financeiros e responsáveis por cadeias de suprimento compreenderam que resiliência tem valor de CAPEX. Surgiram iniciativas como estoques estratégicos de insumos críticos, contratos de longo prazo de energia limpa e a busca por fornecedores alternativos para reduzir dependências geográficas.
Executivos de setores como farmacêutico, semicondutores e alimentos passaram a considerar que globalização eficiente e autonomia nacional eram forças em tensão permanente.
Em 2021, Mary Barra, CEO da General Motors, declarou em reunião com a Casa Branca:
“Cada carro moderno é um computador sobre rodas. Sem chips, não há indústria automotiva. Essa crise mostrou que resiliência é tão vital quanto inovação.”
O salto regulatório
Entre 2022 e 2024, conselhos e investidores já integravam o preço do carbono nos cálculos de viabilidade, enquanto políticas industriais massivas como o Inflation Reduction Act (EUA), o Net Zero Industry Act (UE) e os pacotes chineses de minerais críticos mostravam que o jogo havia mudado. Nas teleconferências de resultados, temas antes vistos como “laterais” — neutralidade climática, rastreabilidade de cadeias, diversidade — passaram a ocupar espaço central.
Larry Fink, CEO da BlackRock, escreveu em sua carta anual a investidores em 2022:
Crédito da imagem: LikedIn
“O risco climático é risco de investimento. Empresas que não se adaptarem a esse novo cenário serão cada vez mais penalizadas pelo mercado.”
Já Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, declarou em 2023, ao anunciar o pacote Net Zero Industry Act:
“Não podemos depender de outros para os insumos do futuro. A soberania industrial da Europa passa pela energia limpa, pela inovação e pelo controle de recursos críticos.”
O fio que une as pressões
O que antes parecia um mosaico de questões desconectadas se consolidou como um debate sistêmico: a sobrevivência industrial exige interdependência entre energia, tecnologia, cadeias resilientes, recursos naturais estratégicos e governança ESG. Não se trata mais de escolher um eixo de prioridade, mas de alinhar todos eles em um mesmo tabuleiro.
Como sintetizou Satya Nadella, CEO da Microsoft, no Fórum Econômico Mundial de 2019:
Crédito da imagem thesoftwarereport.com
“O futuro será híbrido: nuvem, inteligência artificial e energia limpa. A sobrevivência das indústrias dependerá de como elas conectarem esses elementos em tempo real.”
A próxima parada
No próximo capítulo, vamos avaliar em que nível está esse debate hoje. Quais setores já avançaram para a execução de soluções e quais ainda patinam em disputas regulatórias, falta de padronização ou ausência de investimentos? E, principalmente, quais são os gargalos que travam a evolução de uma agenda industrial verdadeiramente integrada?