RAY OF LIGHT: O RENASCIMENTO DO CLÁSSICO ELETRÔNICO DE MADONNA
LANÇADO EM 1998, O ÁLBUM VOLTA A GANHAR DESTAQUE EM MEIO AO CRESCIMENTO DA CENA ELETRÔNICA MUNDIAL
João Carlos
11/08/2025
Nos últimos meses, a imprensa musical tem se debruçado sobre declarações de jovens artistas e discussões culturais a respeito de uma das obras mais importantes da carreira de Madonna: o álbum Ray of Light, lançado em 1998. O recente lançamento do até então “álbum perdido” Veronica Electronica — projeto experimental gravado na mesma era e engavetado por mais de duas décadas — foi, sem dúvida, o estopim para um novo reconhecimento da obra da rainha do pop.
Produzido a partir de remixes de várias faixas de Ray of Light, Veronica Electronica estava originalmente previsto para chegar às lojas logo após o álbum principal, mas o enorme sucesso comercial e crítico de Ray of Light fez com que a gravadora optasse por manter o foco apenas nele, inviabilizando a nova coletânea naquele momento. Agora, em 2025, esse material chega oficialmente às plataformas digitais, permitindo que fãs e novos ouvintes tenham acesso a versões alternativas e mais experimentais de músicas icônicas.
A redescoberta do legado eletrônico de Ray of Light

Com as atenções voltadas para o álbum de remixes como uma espécie de extensão da obra original — algo até então nunca “experimentado” de forma tão direta por artistas, produtores e DJs —, as discussões sobre a influência de Madonna na música eletrônica voltaram a ganhar força.
A ousadia de Ray of Light em mesclar pop, ambient, trip hop e texturas eletrônicas, em 1998, é hoje citada como referência por uma nova geração de músicos. Não por acaso, diversos artistas contemporâneos têm declarado publicamente o impacto que o repertório de Ray of Light teve em suas carreiras. Para muitos, o álbum representou um divisor de águas, abrindo portas para que produções eletrônicas sofisticadas conquistassem espaço no mainstream, sem perder profundidade lírica e apelo popular.
A revolução musical de Ray of Light
O sétimo álbum de estúdio de Madonna foi concebido em meio ao nascimento de sua primeira filha, Lourdes Maria, e outros eventos que a conduziram a um período de intensa introspecção. Inicialmente, a artista trabalhou com os produtores Babyface e Patrick Leonard, mas foi a entrada do britânico William Orbit que redefiniu a direção musical do projeto. Madonna “adotou” o produtor dentro de uma nova abordagem artística, mergulhando em um universo sonoro que até então não havia explorado com tanta profundidade.
As gravações se estenderam por pouco mais de quatro meses e enfrentaram contratempos — como a ausência de uma banda ao vivo e problemas técnicos que atrasaram o andamento do trabalho.
O resultado revelou a rainha do pop abraçando uma nova sonoridade, permeada por influências de techno, trip hop, drum and bass, música ambiente e até música clássica. O afastamento deliberado da estética pop e R&B apresentada em Bedtime Stories (1994), marcou um salto criativo em sua discografia.
Em termos vocais, Madonna surpreendeu ao cantar com maior amplitude e um tom mais encorpado — fruto das aulas de canto que fez para interpretar Eva Perón no filme Evita (1996). Liricamente, o disco trouxe temas maduros, refletindo sua conversão à Cabala, o estudo do hinduísmo e do budismo, e a prática de yoga. Faixas como “Sky Fits Heaven” e “Shanti/Ashtangi” — esta última cantada inteiramente em sânscrito — se tornaram exemplos claros dessa fusão entre espiritualidade e inovação musical.
BBC destaca por que Ray of Light é o “álbum quente” de 2025
Recente reportagem da BBC Culture reforça que o retorno de Ray of Light ao centro das atenções não se deve apenas ao lançamento de Veronica Electronica, mas também a um conjunto de fatores culturais, tecnológicos e artísticos.
Entre os principais pontos levantados estão:
- O fator nostalgia e o revival dos anos 1990 — Em um momento em que a estética e a sonoridade do fim dos anos 90 voltam a dominar playlists e passarelas, Ray of Light reaparece como um dos exemplos mais sofisticados da fusão entre pop e música eletrônica.
- Temas atemporais, mais relevantes hoje — Letras que falam de espiritualidade, autoconhecimento e conexão com o mundo natural encontram eco em um público que, pós-pandemia, valoriza mais a introspecção e a consciência ambiental.
- Reedição comemorativa e remasterização — A edição especial de 2025 trouxe faixas bônus, remixes inéditos e imagens restauradas, realçando a qualidade da produção de William Orbit e a coesão do conceito original.
- Reconhecimento crítico tardio — Embora premiado com quatro Grammys na época, o álbum hoje é visto como divisor de águas para o pop eletrônico, com influência perceptível em artistas que surgiram décadas depois.
- Viralização digital — Canções como Frozen voltaram às paradas graças a remixes virais no TikTok e Instagram, apresentando Madonna a uma nova geração de ouvintes.
Com esse conjunto de elementos, a BBC conclui que Ray of Light vive não apenas um revival, mas uma reinterpretação à luz das discussões culturais e musicais de 2025.
O legado do álbum no Brasil e a cena eletrônica atual
No Brasil, não poderia ser diferente: o legado de Ray of Light também não pode ser ignorado. Se o país vive um novo boom da música eletrônica, o cenário atual reforça a pertinência da obra de Madonna. Só em 2025, 22 artistas brasileiros integraram a programação oficial do Tomorrowland Bélgica, um dos maiores festivais do gênero no mundo, que reuniu um público de 400 mil pessoas, de 200 nacionalidades.
Esse dado escancara o protagonismo brasileiro em um forte movimento de retomada da cena eletrônica, com casas noturnas lotadas, novos DJs ganhando projeção internacional e um circuito de festivais cada vez mais robusto, que se espalha de Norte a Sul do país. Nesse contexto, Ray of Light permanece como uma referência estética e sonora — direta ou indiretamente — para produtores e artistas da nova geração que buscam unir sofisticação musical e apelo popular, fórmula que Madonna consagrou em 1998 e que continua a inspirar públicos e criadores.
Um clássico que segue iluminando
Mais de 25 anos após seu lançamento, Ray of Light comprova que, além de estar em sintonia com seu próprio tempo, também estava um passo — ou até décadas — à frente, antecipando movimentos sonoros e estéticos que só se consolidariam anos depois. É um exemplo claro de como um álbum pode atravessar gerações sem perder relevância e, em alguns casos, ganhar novos significados à luz de novos contextos culturais e tecnológicos. O reencontro do público com a obra, impulsionado por Veronica Electronica, pelas reedições comemorativas e pela efervescência da cena eletrônica mundial, reforça o papel de Madonna como visionária, capaz de prever tendências, moldar sonoridades e, acima de tudo, manter sua música viva e dialogando com públicos de diferentes épocas.
No Brasil, a estética e a energia da obra encontram terreno fértil para continuar inspirando DJs, produtores e artistas. É a prova de que clássicos não apenas resistem ao tempo — eles se reinventam, dialogam com novas gerações e mantêm viva a luz que os tornou únicos.
Para encerrar este mergulho no legado de Ray of Light, vale revisitar o videoclipe de “Nothing Really Matters”, uma das faixas mais icônicas do álbum. Lançado em 1999, o vídeo foi dirigido por Jean-Baptiste Mondino e inspirado na estética do romance Memórias de uma Gueixa, de Arthur Golden. Nele, Madonna aparece caracterizada como uma gueixa futurista, vestindo um quimono vermelho criado pelo estilista Jean Paul Gaultier especialmente para a produção. A fotografia, marcada por tons fortes e contrastes dramáticos, aliada a movimentos coreografados e referências simbólicas à cultura japonesa, resultou em um trabalho visualmente deslumbrante, que ajudou a consolidar ainda mais a identidade estética da era Ray of Light.