TODOS OS LADOS DE "FATHER FIGURE"
GEORGE MICHAEL, NICOLE KIDMAN, TAYLOR SWIFT E O RENASCIMENTO DE UM CLÁSSICO DOS ANOS 80
João Carlos
03/10/2025
Se tem uma faixa que chamou atenção no novo álbum de Taylor Swift, The Life of a Showgirl (veja os detalhes do lançamento AQUI) foi “Father Figure”. A música é uma interpolação do clássico lançado por George Michael em 1987 — e está entre os assuntos mais comentados desde que o disco chegou às plataformas nesta sexta-feira.
O que é interpolação?
Antes de tudo, vale explicar: interpolação não é um sample (quando se usa o áudio original). É quando o artista regrava ou reinsere trechos de melodia ou letra de outra canção dentro de uma nova obra. Por isso, a composição precisa trazer os créditos do autor original. No caso de Taylor, George Michael aparece oficialmente como coautor da nova faixa.
A ressurreição da faixa
Antes mesmo de Taylor Swift trazer sua interpretação do clássico de Michael, vale lembrar que a canção já havia retornado ao radar cultural e despertado a atenção de novas gerações muito em função do cinema. “Father Figure”, de George Michael, teve um ressurgimento em popularidade depois de aparecer em uma cena do thriller erótico Babygirl (2024). Veja o trailer.
Em Babygirl, Nicole Kidman estrela como Romy, uma mulher mais madura que explora sua sexualidade ao ter um caso com seu estagiário significativamente mais novo, Samuel (interpretado por Harris Dickinson). “Father Figure” toca durante uma cena emblemática do filme: Samuel dança de topless em um quarto de hotel para impressionar Romy, que fica sentada assistindo enquanto ele se apresenta.
A diretora de Babygirl explicou à Entertainment Weekly que era essencial para ela que o filme apresentasse a música de George Michael nessa cena para enfatizar a complexa dinâmica de poder entre Romy e seu namorado mais jovem.
Esse uso mostra como o título e o próprio enfoque da canção de Michael foram reutilizados ou contextualizados sob um olhar feminino, reforçando a inversão de papéis e poder — exatamente o tipo de reflexão que ajudou a reintroduzir “Father Figure” no imaginário das novas gerações.
Do romantismo ao poder
Na versão original de George Michael, a expressão “I will be your father figure” era um gesto de cuidado e devoção. O cantor falava de amor, proteção e até usava imagens sagradas e espirituais para reforçar a entrega: “serei seu pregador, professor, até o fim do tempo”. Recorde abaixo:
Já na versão de Taylor Swift, a mesma frase é repetida, mas em um tom completamente diferente. Em vez de expressar carinho e fé, a narrativa adota a voz de um “mentor” poderoso e controlador. Ele paga contas em restaurantes sofisticados, fala de negócios, exige lealdade e se apresenta como aquele que “protege a família”. O clima de romance dá lugar a uma crítica incisiva ao paternalismo e à lógica de poder financeiro.
Fãs e jornalistas acreditam que a música faz referência à amplamente documentada disputa de Taylor com o executivo Scott Borchetta, fundador da gravadora que a contratou. Quando a artista deixou o selo em 2018, Borchetta manteve o controle dos masters de seus seis primeiros álbuns — conflito que redefiniu a trajetória profissional da cantora. Veja abaixo.
Por que isso importa
O detalhe interessante é que, ao manter o refrão original, Swift cria uma ponte imediata com a memória afetiva do público. Quem conhece a música de George Michael reconhece a frase na hora — e percebe o choque quando o sentido muda completamente. Essa é a força da interpolação: transformar algo já conhecido em um novo comentário, sem deixar de reconhecer sua origem.
Repercussão
De um lado, muitos enxergam a faixa como um tributo corajoso, que atualiza a metáfora de George Michael para um olhar contemporâneo sobre relações de poder. De outro, há quem considere a releitura arriscada, por mexer em um dos clássicos mais reverenciados dos anos 80. E você, de que lado fica nessa discussão?
Nota do Editor
Todos os lados de Father Figure
Muito além de uma simples balada que pode ter passado despercebida por parte do público ao longo das décadas, o clássico “Father Figure”, de George Michael, revela em 2025 — quase 38 anos após seu lançamento — novas camadas interpretativas sob uma ótica contemporânea. A brilhante atuação de Nicole Kidman em narrativas sobre relações de poder e amor, no filme Babygirl, de Halina Reijn, e a canção de Taylor Swift reacenderam o debate sobre o verdadeiro significado da composição. Afinal, qual teria sido a real inspiração por trás de “Father Figure”?
Em 2017, o jornalista Barry Walters, em artigo publicado na Billboard, descreveu a faixa como uma “balada esfumaçada” que refletia o contexto de um artista gay ainda não assumido, atuando em uma indústria e em uma sociedade marcadamente homofóbicas. Walters escreveu que a música “estabeleceu Michael tanto como um adulto cheio de nuances quanto como um cantor e compositor habilidoso, capaz de entrelaçar insinuações picantes e firmeza romântica”.
O ponto central — e também o mais polêmico — da canção está em versos que sugerem um amor (supostamente homossexual) visto como proibido ou até criminoso:
“I will be your father figure
Very happy, I have had enough of crime”
“That's all I wanted
But sometimes love can be mistaken for a crime”
"Eu serei sua figura paterna
Muito feliz, já estou farto de crimes"
“Era tudo o que eu queria
Mas às vezes o amor pode ser confundido com um crime"
Para muitos críticos e fãs, há um consenso de que, por ainda estar no início da carreira, George Michael não poderia se arriscar a revelar explicitamente, em uma canção, sua orientação sexual — algo que só aconteceria anos depois, quando já era um dos maiores nomes do pop mundial. Naquele período, sua imagem estava fortemente ligada ao sex appeal masculino, um dos principais elementos de atração para o público feminino e um componente central de sua estratégia comercial.
De qualquer forma, independentemente das polêmicas e reinterpretações, o mais importante é reconhecer a força de uma canção como “Father Figure”, que atravessa as décadas e continua a despertar o imaginário popular de forma intacta, sincera e comovente, refletindo o talento atemporal de seu autor.


