ESPECIAL PIX — DO PLÁSTICO AO QR CODE: O FUTURO DAS MAQUININHAS
PARTE 3: COMO AS ANTIGAS DONAS DO BALCÃO SE REINVENTAM PARA NÃO FICAR PELO CAMINHO
João Carlos
21/08/2025
Durante décadas, a maquininha de cartão foi o símbolo da modernização do varejo. Nos anos 1990 e 2000, ela representava segurança para lojistas e consumidores, além de abrir espaço para a formalização de pequenos negócios. Mas esse reinado foi abalado pela chegada do Pix, em 2020. Gratuito, instantâneo e de ampla adesão, o sistema criado pelo Banco Central desafiou frontalmente o modelo das adquirentes, baseado em taxas de desconto e antecipação de recebíveis.
Para muitos empreendedores, especialmente os de menor porte, a comparação é direta: por que pagar taxas quando é possível receber via Pix, com liquidação imediata? Essa mudança de mentalidade abriu um campo de tensão. A maquininha, antes considerada indispensável, passou a ser vista como um custo que precisava se justificar. É nesse ponto que as grandes adquirentes começaram a repensar seu papel: não basta mais processar pagamentos, é preciso oferecer valor agregado.
Maquininhas em mutação
Se o Pix ameaça a sobrevivência do modelo tradicional, as próprias empresas transformaram esse desafio em oportunidade. Hoje, gigantes como PagSeguro, Stone, InfinitePay e Mercado Pago deixaram de vender apenas um terminal físico. Elas passaram a oferecer ecossistemas completos: plataformas de crédito, gestão de fluxo de caixa, emissão de boletos, contas digitais, links de pagamento e até ferramentas de e-commerce integradas.
Esse movimento atende a duas frentes. Por um lado, fideliza o cliente, que encontra em um único fornecedor várias soluções para o negócio. Por outro, gera novas fontes de receita em um ambiente em que a taxa por transação perdeu protagonismo. Assim, a maquininha deixou de ser apenas um “hardware no balcão” e se tornou a porta de entrada para serviços financeiros mais complexos, colocando adquirentes no mesmo campo de disputa de bancos digitais e fintechs.
Novas tecnologias: do QR Code ao Tap to Phone
Na prática, a experiência de pagamento também evoluiu. O Pix Copia e Cola ensinou o consumidor a usar QR Codes em larga escala, derrubando barreiras culturais que antes limitavam essa tecnologia. Ao mesmo tempo, a popularização dos smartphones abriu caminho para o tap to phone, que transforma qualquer celular em um terminal de pagamento. Para micro e pequenos empreendedores, essa inovação significa menos custos fixos e maior praticidade: basta um aplicativo para aceitar tanto Pix quanto cartões por aproximação.
Essa convergência coloca os meios de pagamento num mesmo ambiente. Em um único dispositivo, o lojista pode receber via cartão, via Pix, via QR ou até integrar a cobrança ao seu sistema de gestão. O pagamento passa a ser apenas um ponto dentro de uma cadeia maior de dados, onde relatórios, conciliação financeira e controle de estoque se unem em um painel digital. Em outras palavras, a disputa já não é apenas sobre como pagar, mas sobre como gerenciar todo o negócio a partir do pagamento.
O que ainda mantém a maquininha viva
Apesar das mudanças, a maquininha ainda resiste — e não por acaso. O hábito do consumidor segue desempenhando um papel central. Muitos clientes ainda se sentem mais confortáveis ao inserir o cartão na máquina ou aproximar o plástico no terminal. Além disso, há o fator psicológico: o cartão transmite segurança em compras de maior valor, especialmente fora do ambiente online.
Outro ponto decisivo é o parcelamento, um dos pilares da cultura de consumo no Brasil. Cerca de 70% das compras de maior ticket são feitas no crédito parcelado, um terreno em que o Pix ainda não conseguiu se consolidar. O chamado Pix Garantido, que permitirá dividir compras em várias parcelas, está em fase de desenvolvimento, mas ainda enfrenta resistência técnica e cultural. Enquanto isso, o cartão de crédito — e, consequentemente, a maquininha — mantém sua vantagem estratégica.
Não menos importante são os programas de pontos e milhas, que seguem como diferencial dos cartões. Para um perfil de consumidor que busca benefícios adicionais, trocar de cartão para Pix ainda não é atraente. Isso garante sobrevida às maquininhas, mesmo em um cenário de transformação acelerada.
O próximo capítulo da revolução dos pagamentos
O futuro das maquininhas não é de extinção imediata, mas de profunda reinvenção. O Pix mostrou que pagamentos podem ser rápidos, baratos e integrados, forçando um setor inteiro a repensar seus modelos. As adquirentes que sobreviverão são aquelas capazes de ir além da função de cobrança, entregando ferramentas completas de gestão e valor percebido para o lojista.
Mais do que a batalha entre “maquininha” e “Pix”, o que se desenha é a vitória da experiência do usuário: consumidores e lojistas querem conveniência, simplicidade e segurança. Se esse caminho passa por um QR Code, um app no celular ou ainda pelo cartão inserido na maquininha, pouco importa. O que importa é que o pagamento deixe de ser obstáculo e passe a ser ponte para uma relação mais inteligente entre negócios e clientes.
Série Especial: Pix e as Transformações nos Meios de Pagamento


